Há um tempo em que é preciso abandonar as roupas usadas, que já têm a forma do nosso corpo, e esquecer os nossos caminhos, que nos levam sempre aos mesmos lugares. É o tempo da travessia: e, se não ousarmos fazê-la, teremos ficado, para sempre, à margem de nós mesmos.

Fernando Pessoa

quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

Indez


O texto que trago hoje é um trecho do livro Indez, de Bartolomeu Campos de Queirós.
A prosa poética de Bartolomeu mostra toda a sua sensibilidade ao relatar a vida do menino Antônio, nascido e criado numa família simples no interior das Minas Gerais.
A propósito, o escritor estará em Brasília, no dia 23/3/2011, às 19h30, no Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB) no projeto Escritores Brasileiros, para uma conversa informal com seus leitores.
Estarei lá com certeza!

Se ganhava em idade, Antônio também crescia em amor. Agora com mais de um ano e corpo firme, ele estendia os braços se oferecendo para todos. Não estranhava ninguém. Gostava de cerimônias. dava a pensar que ele vivia sempre com muita saudade, mesmo dos desconhecidos. Sem quase chorar, acariciando com a pontinha do dedo os olhos, os ouvidos, a boca, o nariz das pessoas que o carregavam, Antônio crescia manso.
Aqueles que tinham olhos de ver à primeira vista sentiam que era um menino desarmado e feito só para o carinho. Sua maneira de olhar, seu jeito de se oferecer ou se encostar, seu modo de se aninhar nos braços, davam nas pessoas uma vontade muito forte de fazê-lo sumir entre carinhos. Apertá-lo em abraços e escondê-lo no coração. Parecia um amor de inveja. Todos queriam era ser amados como ele.
Mesmo tão carinhosos e de doçura transparente, ninguém se arriscava a chamá-lo de Toninho, Tonho ou outro apelido qualquer. Falavam Antônio, com a boca cheia. Falavam o nome por inteiro, como que preservando tudo que era dele, sem desejo de reparti-lo em pedaços.
Se foi nome dado às pressas, com receio do limbo, era em homenagem também a um Santo querido. E esse nome passou a ser o único que servia para aquela meiguice de menino, nascido apressado, adiantado, mas resistente à morte. E ninguém sabia se ele parecia com o Santo ou com o Menino que estava nos braços do Santo. Essa dúvida aproximava Antônio dos anjos.

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