Há um tempo em que é preciso abandonar as roupas usadas, que já têm a forma do nosso corpo, e esquecer os nossos caminhos, que nos levam sempre aos mesmos lugares. É o tempo da travessia: e, se não ousarmos fazê-la, teremos ficado, para sempre, à margem de nós mesmos.

Fernando Pessoa

terça-feira, 9 de novembro de 2010

A Pintora

Ganhei de presente de aniversário um livro da escritora Adélia Prado. Foi presente de minha amiga, a queridíssima Zózima, pessoa dotada de grande sensibilidade. Como disse a ela, eu já conhecia textos isolados de Adélia, mas nunca tive um livro para chamar de meu.  Agora tenho. Ganhei o último livro dela, chamado "A duração do dia". Gostei tanto que o devorei imediatamente, no exato momento em que o recebi.
Adélia é mineira, da cidade de Divinópolis e, como diz minha amiga, "a simplicidade de sua voz interior fala mais alto que os ruídos do mundo". Seus textos são carregados de sentimento, simplicidade e religiosidade.
Outra curiosidade é que Adélia mantém ao longo da vida o hábito de se reunir com suas amigas, às terças-feiras, para tomar chá e comer biscoitinhos e pães de queijo, sem falar na iguaria principal:  falar sobre poesia. Ela chama esse encontro de "Das terças". Isso tudo,  lá em Divinópolis!

Separei para o Palavra Pintada o poema "A Pintora". Espero que vocês gostem porque eu achei lindíssimo.

A Pintora

Hoje de tarde
pus uma cadeira no sol pra chupar tangerinas
e comecei a chorar,
até me lembrar de que podia
falar sem mediação com o próprio Deus
daquela coisa vermelho-sangue, roxo-frio, cinza.
Me agarrei aos seus pés:
Vós sabeis, Vós sabeis,
só Vós sabeis, só Vós.
O bagaço da laranja, suas sementes
me olhavam da casca em concha
na mão seca.
Não queria palavras pra rezar,
bastava-me ser um quadro
bem na frente de Deus
pra Ele olhar.

Um comentário:

  1. Que coisa mais linda esse texto! Poesia ao nosso alcance, sem muitas frilulas, só sentimentos! Amei!
    Beijos

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